A indicação ao Oscar 2025 de melhor filme à Emilia Perez, não foi um raio em céu azul, o mesmo serve para Karla Sofía Gascón como melhor atriz. As performances são impecáveis num filme complexo, corajoso, com crítica social sobre desaparecidos no México, vítimas do narcotráfico e com uma temática humanista de difícil manejo. São 13 indicações à cobiçada estatueta e no meu entendimento, merecidas. Em minha análise, não vou entrar nas tretas e polêmicas sobre usar ou não IA e atores mexicanos. Alias, divirjo de muitas delas. Vou avaliar a arte sobre a performance, o enredo e o roteiro da película, e sim, com um tom crítico que entendo necessário sobre alguns aspectos. Começo dizendo que o caráter musical foi fraco e desnecessário para contar a história.
Em síntese, o filme é um drama sobre mudança de vida, tentativa de redenção com o tema transgênero como pano de fundo sob as performances de Gascon, Zoe Saldaña, Selena Gomez e de Adriana Paz que teve sua participação subestimada pela direção.
Um chefe de cartel mexicano do narcotráfico, violento e assassino, casado e pai de dois filhos, contrata uma advogada para ajudá-lo a evaporar e assim, fugir das autoridades, de seus inimigos, e a passar por uma cirurgia de transição de gênero. Esse objetivo vai para além da fuga, porque, Juan del Monte, o el Manitas, no seu íntimo, se sente mulher. Nessa introdução já é perceptível o nível de complexidade do roteiro.
A minha parente de longe, personagem de Zoe Saldaña que concorre ao Oscar de melhor atriz coadjuvante, Rita Mora Castro, é uma excelente advogada que, sonhando em enriquecer, trabalha para uma firma que defende culpados, obviamente, para ganhar muito dinheiro, típico de advogados porta de cadeia. El Manitas, “sequestra” a advogada para um papo reto sobre uma proposta de contrato. A cena do dialogo entre os dois, no inicio do filme, a interpretação de amb@s sobre seus personagens é de arrebatar o espectador e só por isso, merecedoras das indicações que tiveram. Gascon e Saldaña indicam o poder do enredo que virá pela frente e não decepciona. O filme de 2 horas e 10 minutos te prende na tela com os olhos arregalados até o final. Eu classifico como um filmaço.
No desenvolvimento da trama vemos um homem frio e assassino impiedoso se tornar uma mulher sensível e humanista em busca de redenção. Essa mudança da “água para o vinho” não pode passar despercebida. Há um fator psicológico e um buraco não explorado no roteiro. Ninguém deixa de ser carniceiro sangrento para se tornar uma justiceira apenas porque mudou de sexo. O personagem matou milhares de pessoas e sua redenção vem como um toque de mágica para ficar em paz consigo mesma, gastando a fortuna adquirida nos tempos do narcotráfico, desenterrando corpos que seu cartel tirou a vida e entregando aos familiares. Esse fator psicológico não desenvolvido no filme, com a ausência de Justiça pelos assassinatos cometidos, buscando ganhar a empatia do espectador e sendo santificada ao final do filme, é uma lacuna absurda ignorada pelo diretor francês, Jacques Audiard, no espaço de quatro anos entre a cirurgia e o reencontro com a advogada.
Outro fator errático do roteiro é o reconhecimento da advogada sobre o traficante tornado mulher, sentada a seu lado num jantar entre amigos e convidados, após um interregno de quatro anos e a cegueira da ex esposa, personagem de Selena Gomez, que teve dificuldade para reconhecer o ex marido até quase o desfecho da obra.
Porém, o filme cumpre o seu papel clássico de entretenimento e emoção, seja ao público nos assentos do cinema ou no sofá de casa que foi o meu caso. O enredo e o roteiro realmente têm alguns buracos, mas no meu entendimento, passam ao largo de ofuscar o brilho da obra como estão tentando fazer.
Karla Sofía Gascón é a primeira mulher trans a ganhar indicação ao Oscar de melhor atriz e está num seleto grupo de espanholas, caso de Penelope Cruz (Volver e Madres Paralelas) e Catalina Sandino Moreno (Maria cheia de graça) que também tiveram esse privilégio. Penelope já tem a estatueta de melhor atriz coadjuvante em 2008, pela performance em Vicky Cristina Barcelona. Emilia Perez foi premiada no Festival de Cinema de Cannes e no Globo de Ouro, levando o prêmio de melhor filme em língua não inglesa.
Me cabe torcer com toda a força mental do meu ser pela vitória de AINDA ESTOU AQUI e de Fernanda Torres. A importância da obra e o prêmio teria uma simbologia singular de emoção e impacto sobre o momento em que vive o país. Seria uma explosão de sentimento nacional como ocorre quando ganhamos uma Copa do Mundo, sobre a coroação humanista contra um projeto maligno que está prestes a ser condenado e enjaulado. Mas, não posso desconsiderar, ignorar e ficar com desdém contra a expressão artística e extraordinária de Karla Sofía Gascón e de Emilia Perez que está há alguns patamares acima da performance de Gwyneth Paltrow e de Shakespeare Apaixonado, na injustiça cometida pela Academia em 1999 contra a nossa Rainha da Cultura, Fernanda Montenegro em Central do Brasil.
Uma resposta
gostei do filme,mas achei que Atriz Transgênera merece menos oscar do que a coad