Essa análise de “A Substancia” terá spoiler muito leve. Vou focar mais no caráter das contradições da decadente alma humana vomitada pela película concorrente ao Oscar de melhor filme e de melhor atriz, pela primeira vez, à Demi Moore. O thriller de terror satírico, também é hilário, comovente e grotesco.
A sociedade do terceiro milênio sofre de uma patologia paranoica sobre a obsessão estética com seu padrão impositivo de beleza. Fora da convenção pretendida, o ser humano “feioso” é marginalizado e cancelado das rodas e redes sociais. Antítese do modelo convencional de beleza, o apogeu do fast food, dos agrotóxicos, da poluição mental com de fake news, o filme “A SUBSTÂNCIA” é um soco no esôfago com doses cavalares de acidez, sarcasmo e violência para uma humanidade dilacerada e ausente de humanismo.
Demi Moore e Margaret Qualley são brilhantes ao interpretar a personagem Elisabeth Sparkle. Dennis Quaid também foi perfeito na interpretação do bizarro Harvey – em óbvia alusão ao mais conhecido misógino de Hollywood – como produtor e executivo da emissora de TV no filme. A francesa Coralie Fargeat com seu roteiro nada sutil e direção impecável, perturba e provoca reações extremas no público regado a angustia, desconforto, nojo e reflexão. Como um espelho, o filme vomita e reflete as entranhas pútridas do paradigma estético de nossa sociedade doente e desumanizada. Um exemplo tupiniquim que expressa a gravidade desse tumor social, é a dupla sertaneja, Maraisa e Maiara. Esta emagreceu 50 kg com procedimentos como bariátrica, lipoaspiração e implante de silicone para se sentir bela, conforme o padrão convencionado, se submetendo aos efeitos colaterais em curso na sua vida.
Já a personagem Elisabeth Sparkle com 50 anos, incensada a calçada da fama de Hollywood e ganhadora do Oscar, busca uma saída contra o sexismo de sua profissão de atriz ao aceitar injetar uma SUBSTÂNCIA que vai proporcionar a sua “melhor versão”. O produtor de seu programa matinal diário de exercícios físicos na TV, lhe demiti por queda na audiência devido estar “velha demais”. A cena como ela descobre isso, é hilária porque a personagem está no lugar errado na hora certa. Daí, cabe perguntar, e se fossemos nós, o que faríamos para alcançar a bela versão de nossa juventude para ganhar likes na ditadura estética das Big Techs?
O filme parece ter sido feito na medida para contar em ficção a história real e complexa da própria Demi Moore. Linda, me encantava como fã nos filmes dos anos 90. Assisti a todos. É notório os maus bocados que sofreu para manter o padrão de beleza exigido por Hollywood e a indústria do Cinema. Foram cirurgias malsucedidas com intervenções plásticas para se manter o valor do ideário de juventude e beleza. Na entrevista da atriz à BBC, informa sobre o filme que “Era completamente único, fora do comum, você percebia que era visualmente estimulante”, e acrescentou, “De certa forma, eu senti que queria fazer isso. Parte do que o tornou interessante foi ir a um lugar tão cru e vulnerável para realmente me desprender. E foi bastante libertador em muitos aspectos”.
Para o crítico de cinema da BBC, Nicholas Barber, “Moore não tem medo de parodiar sua imagem pública em seu melhor papel na tela grande em década”. De pleno acordo. Estou torcendo muito para Ainda Estou Aqui levar a estatueta de melhor filme internacional e da maravilhosa Fernanda Torres vingar sua mãe no Oscar de melhor atriz, mas não será injustiça se Moore for a premiada, diferente da patacoada de 25 anos atrás.
Gwyneth Paltrow levou a estatueta por Shakespeare Apaixonado, porém, com um fosso de diferença no talento da interpretação de nossa maior diva do teatro, da TV e do cinema, Fernanda Montenegro, a Dora de Central do Brasil. Foi bizarro saber pela Revista Vogue em outubro de 2023, que Paltrow usa a estatueta do Oscar como peso de porta. A Academia mereceu esse descaso. Espero que dessa vez ganhe o Oscar quem realmente tem talento e merece. Por enquanto, as duas indicadas que assisti, Torres e Moore, justificam ficar com o prêmio. A próxima análise será do polemico Emília Perez que está dando o que falar.